sexta-feira, 12 de setembro de 2014

O drama da vida diária

Para o cristão, toda experiência tem significado

"A religião consiste na crença de que tudo o que nos acontece é extraordinariamente importante. Por esse motivo, a religião não pode desaparecer do mundo" (Cesare Pavese, 1908-1950, poeta italiano e suicida).

Certa vez, durante uma missa em que a leitura tratava da conversão de São Paulo no caminho de Damasco (Atos 9,3-9), o padre observou na homilia: "Nossas vidas são muito diferentes da vida de São Paulo. As nossas vidas não têm tanta dramaticidade".

“A minha tem!”, eu pensei na hora. A minha vida tem um nível de drama inacreditável, todos os dias, o dia todo! Será que as fotos vão ficar boas? Será que, pela primeira vez na vida, eu vou conseguir manter a calma na conversa com o departamento de cobranças da operadora de celular? Será que o leite vai ser suficiente para o café da manhã ou vou ter que sair para comprar na loja de conveniência? E, neste caso, não é melhor ir até o mercadinho e pegar também o jornal e aproveitar para subir a colina e ver se a figueira já começou a dar figos? Será que eu vou conseguir redigir essa frase, parágrafo, ensaio, postagem do blog ou livro do jeito que eu quero?

Carl Jung observou certa vez:
"A experiência religiosa é absoluta; ela não pode ser contestada. Você só pode dizer que nunca teve essa experiência, e o seu oponente vai responder: ‘Desculpe, mas eu sim’. E aí a discussão termina. Não importa o que o mundo pensa sobre a experiência religiosa: quem a tem possui um grande tesouro, que se tornou para ele uma fonte de vida, de significado e de beleza, e que trouxe um novo esplendor ao mundo e à humanidade. Ninguém sabe quais são as coisas finais. Temos, portanto, que acatá-las à medida que as experimentamos. E se essa experiência ajuda a tornar a vida mais saudável, mais bonita, mais completa e mais satisfatória para você e para aqueles que você ama, você pode dizer com segurança: ‘Foi a graça de Deus’".

Nós acreditamos, portanto, não por causa daquilo que os outros nos dizem, mas por causa daquilo que aconteceu conosco. E a maior parte do que nos acontece, quando olhamos de fora, não é particularmente chamativa. Ainda assim, se você é humano, é bem provável que, neste exato momento, você esteja desejando alguém, chateado com alguém, com ciúmes de alguém, ressentido com alguém, incomodado com alguém, sentindo-se abandonado por alguém, com medo de alguém (e talvez esses vários alguéns sejam a mesma pessoa). Você está preocupado com as suas finanças, com o seu peso, com os seus dentes, com o seu futuro, com seus pais idosos, com sua própria idade que também vai aumentando, com os seus filhos rebeldes, com o câncer no mundo, com a possibilidade de ter feito papel de bobo na noite passada, com o que vai comer no almoço.

Eu demorei muito tempo para entender que a religião não é aquilo que fazemos quando conseguimos deixar tudo isso de lado. A religião é perceber que existe um poder maior do que nós e que ele está conosco inclusive no meio de tudo isso.

"No meio da minha vida diária, nas pessoas com quem entrei em contato com, nas coisas que li e ouvi, eu senti aquela sensação de estar sendo acompanhada, de ser desejada; um sentimento de esperança e de expectativa", disse Dorothy Day, fundadora do Movimento Operário Católico.

A vida que interiormente é vivida ao máximo, mas que exteriormente é contida, focada e quase invisível, é uma marca do santo. "Até mesmo pegar um alfinete, se for por amor, pode converter uma alma", declarou Santa Teresa de Lisieux.
 
É claro que há uma linha tênue entre a paixão e a patologia: a crença de que tudo o que acontece conosco é extremamente importante também é a crença do narcisista. Por isso, é importante lembrar que tudo o que nos acontece não é importante porque nós sejamos importantes, mas porque Deus é importante.

Só Cristo, aprendi, pode preencher o meu coração, o meu desejo, a minha saudade, a minha dor, os meus anseios, a minha fome e a minha sede; o meu amor. Sem Ele, a vida poderia se tornar tão dramática e tão extraordinária que não suportaríamos a intensidade dos nossos sentimentos.

Morrer por amor, no entanto, talvez seja justamente a razão pela qual a religião não pode nunca desaparecer da face da terra.
Fonte: Aleteia

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